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Por Márcio Jones
Seus
movimentos são fria e milimetricamente calculados. Caminhar lento e
passos firmes. Olhar penetrante, persuasivo, e fala convincente, com
alternâncias de tonalidade e volume. Um levantar de mãos aqui, um soco
no ar ali, e desse modo ele vai conduzindo a sua reunião "profética".
Nada disso, no entanto, se dá antes que o grupo de louvor engendre a
atmosfera emocional propícia, que tenha o condão de fazer fluir lágrimas
pelo rosto dos ouvintes ou, ao revés, os conduza à visualização de uma
situação de guerra, em marcha, muito bem delineada pelas películas
retumbantes da bateria e pelos gestos efusivos das dançarinas. Ato dois:
os fieis se encontram à sua mercê. Hipnotizados, anestesiados pela
"unção" que parece emanar da epiderme do pregador. Transpiração,
calafrios, choro e rajadas de línguas permeiam o ambiente. Até que, sob a
orientação do pseudo-mensageiro, quão logo se dispersa a “atmosfera
espiritual”, apanham a Escritura, abrem-na e leem um único versículo -
quando não são desencorajados a abri-la. Tomam assento. Inicia-se a
interminável digressão do pregador, sob um tema sempre curioso,
intrigante ou cabalístico, que introduz a aura gnóstica de revelação só a
ele acessível, por óbvio. O texto é o ponto de partida, mas não o de
chegada; aponta a direção, mas interessam mais os desvios do caminho. Ao
final do sermão, exclamam um e outro: "por dezenas de vezes li tal
texto e nunca notei o aludido pelo pregador. Verdadeiramente ele é um
homem ‘ungido’”! Não me refiro a Jonas Nightengale, o ficto evangelista
protagonizado por Steve Martin em Fé demais não cheira bem, mas à figura do pastor — neopentecostal — de nosso tempo.
Por
conseguinte, apelo: pastor, exponha a Cristo crucificado, e não suas
técnicas persuasivas de manipulação de massas. Já foi dito que o púlpito
não é um local para discurso acerca de preferências e opiniões
pessoais, para pirotecnias ou extravasar de megalomanias, mas para a
fiel exposição da Sagrada Escritura. Utilizar-se do momento de maior
preeminência durante um culto público para turvar mais ainda a visão
daqueles que já andam a tatear em um contexto cristão de absoluto
analfabetismo bíblico é um atentado contra a obra do Senhor. A pregação
do evangelho, no dizer de Calvino, é centro da vida e obra da igreja.
Tal momento não serve de palanque para teatralidade ou demonstração de
uma espiritualidade que mais estatui um sistema de castas, à semelhança
do existente na Igreja Romana, levando as ovelhas a vislumbrar um “nível
de intimidade com Deus” ao qual elas nunca chegarão. Entenda que os
pregadores de maior destaque na história da igreja foram aqueles que não
se apegaram a nenhuma forma de exibicionismo ou a subterfúgios
psicológicos, antes se esvaziaram até que nada mais de si restasse.
Compreenderam que, ao se apequenar, pela graça de Deus, poderiam se
fazer hábeis instrumentos nas mãos do Senhor. Compreenderam que ao
Senhor pertence a glória, no diapasão do dizer de C. H. Spurgeon, ao
exprimir seu anseio como cooperador do Reino, nas seguintes palavras:
“que eu seja sepultado em algum lugar silencioso, onde as folhas caem e
os pássaros brincam e onde as gotas de orvalho brilham nos raios de sol;
e se acaso tenha que ser escrito algo sobre mim, que seja o seguinte:
"aqui jaz o corpo de um "João Ninguém", esperando pelo surgimento de seu
Senhor e Salvador, Jesus Cristo". É necessário que Ele cresça e nós
diminuamos (Jo 3:30).
Paulo, o
abnegado apóstolo, ao pregar aos cristãos de Corinto deixou-lhes claro
que não fez sobressaltarem os seus dons naturais como se o evangelho de
Jesus se resumisse à ostentação de linguagem ou de sabedoria (1 Co 2:1),
mas que não teve outro objetivo a não ser expor a Cristo e este
crucificado (1 Co 2:2). O apóstolo não somente entendia o que
estritamente lhe competia anunciar, como despenseiro que da obra de
Deus, contudo também se encontrava imbuído até as entranhas por um santo
temor por entender que sua incumbência não estava calcada em mérito
pessoal, e sim na transbordante misericórdia proveniente de Deus (2 Co
4:1). A mensagem do evangelho não demanda muletas para que alcance plena
eficácia, métodos mirabolantes que o façam mais atrativo para quem
deseja uma religião que o faça lembrar-se de tudo que o agrada no mundo.
E nesse itinerário tudo é permitido, sob a bandeira do pragmatismo: o
importante são os resultados, não importando os meios.
O
evangelho autêntico continua a ser o poder de Deus para a salvação de
todo aquele que crê. O pregador não necessita de lançar mão de outro
meio a não ser a fiel exposição da Escritura. Ora, penso que se o
evangelho se constituísse em algo alcançável mediante esforços
intelectuais ou cognitivos, seria perfeitamente lícito ao homem, além de
gloriar-se por seus próprios méritos, entupi-lo com toda a sorte de
mecanismos psicológicos para arrebanhar uma gama de simpatizantes que
sequer cogitam o porquê de poderem se declarar cristãos e de serem
verdadeiramente salvos. Não é este, porém, o evangelho de nosso Senhor
Jesus Cristo, o qual não atribui glória a homem algum, mas confere única
e exclusivamente a Si mesmo, o Senhor da Glória, todo o louvor,
majestade, domínio, aclamação, honra pelos séculos dos séculos. Não a
nós Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória, por amor da tua
misericórdia e fidelidade (Sl 115:1).
Sola scriptura
Fonte: Despertar de um avivamento
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