Deus existe? Quem é Deus? Onde Deus está? Para onde vou após a morte?
Existe céu? Existe inferno? Devo crer na Bíblia como Palavra de Deus?
Todos os cristãos que algum dia já se detiveram na reflexão destas
simples, mas inquietantes interrogações, experimentaram, ainda que
inconscientemente, momentos de meditações teológicas, pois a teologia é
uma matéria importante e inerente a todos os crentes que, de forma
inevitável, contemplam os mistérios da vida e as revelações divinas.
Neste sentido estrito, podemos afirmar que todos os membros das nossas
igrejas são teólogos, mesmo que ignorem ou até abdiquem desta condição.
Se mergulharmos ainda um pouco mais no assunto, e num sentido mais amplo
que o acima mencionado, poderíamos dizer que todo indivíduo de bom
senso, que possua um conceito formalizado acerca de um ser divino
superior, independente de seu credo, é um teólogo. Cada religião possui a
sua “teologia”.
Definindo o termo
Mas, afinal, o que é teologia cristã?
Na perspectiva da teologia acadêmica e histórica, uma resposta objetiva e
clássica seria: “fé em busca de entendimento”. Orientados por este
significado, perceberemos que o genuíno desígnio da teologia acadêmica
não deve ser o exame da Bíblia, de forma indiscriminada e leviana, para
construir doutrinas que justifiquem uma crença. Muito pelo contrário, o
teólogo cristão deve utilizar a teologia para compreender melhor aquilo
que previamente expressa o texto bíblico, a despeito das suas crenças.
Os assassinos da letra
Não obstante a todas estas ponderações, não é difícil encontrar
opositores do estudo teológico entre os mais diversos grupos religiosos.
Em verdade, esse comportamento é peculiar em muitos deles. Entretanto e
lastimavelmente, isso é constatado também no seio da igreja evangélica.
Geralmente, o texto áureo e justificativo desse posicionamento
encontra-se nas conhecidas palavras do apóstolo Paulo, que dizem: “O
qual nos fez também capazes de ser ministros de um novo testamento, não
da letra, mas do espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica”
(2Co 3.6; grifo do autor). Eis aí a questão que lança os fundamentos
para a hostilidade de alguns em relação ao estudo teológico.
Pois bem, se o apóstolo Paulo declara que a letra mata, então este fato é
conclusivo. O que alguns precisam descobrir é quem de fato é essa
“assassina”.
O que nos move a ressaltar este ponto é o fato de que essa “tal letra”,
mencionada pelo apóstolo, tem sido alvo de distorções, prejudicando o
desenvolvimento do ensino na igreja. É verdade que essa objeção ao
estudo teológico é defendida por cristãos sinceros, mas que deliberaram
marginalizar o estudo teológico acreditando ser uma atitude louvada pela
Bíblia.
É curioso e contraditório, ao mesmo tempo. Mas o fato é que essa tal
“letra que mata” vem tendo seu verdadeiro sentido também assassinado por
alguns que a tentam interpretar. São aqueles a quem podemos chamar de
“os assassinos da letra”. Se você, porventura, se identifica como um dos
tais, por favor, não se ofenda! A verdade é que essa repulsa tem no
mínimo duas razões para existir. Proponho refletir um pouco mais sobre
estas duas questões e depois retornamos ao “homicídio espiritual causado
pela letra”, o qual supostamente Paulo teria apregoado.
A marginalização da teologia
Quais seriam os fatores que cultivam esta marginalização?
Antes de qualquer palavra, é fundamental esclarecer que não é nossa
finalidade aqui censurar a devoção autêntica de nossos irmãos. A
sinceridade de sua fé não está em discussão. Até porque, um dos fatores
que mais ajudam a alimentar a rejeição da teologia encontra raízes nos
próprios teólogos.
Conversando com uma missionária, algum tempo atrás, fui interpelado com
uma questão que, de certa forma, reflete o julgamento de muitos membros
de igrejas em relação à teologia. Ela questionava por que os teólogos
são tão apáticos em sua piedade e testemunho cristão. Não quero aqui
entrar em méritos, como, por exemplo, discutir essa generalização
injusta ou o que está escondido atrás do conceito de apatia. Todavia, e
inegavelmente, não se exige muitos esforços para identificar
comportamentos teológicos que instigam a rejeição da teologia. Esse
estereótipo pejorativo parece ser preservado por alguns poucos teólogos,
mas acabam por macular toda a classe. O orgulho intelectual, a
racionalização vazia, as conjeturas e especulações são tidos como alguns
frutos nocivos da teologia. E se torna mais grave ainda quando tais
frutos são vindos de pessoas que conhecem as Escrituras e que por isso
deveriam proceder totalmente ao contrário.
Contudo, em detrimento deste comportamento que, sabemos, não atinge os
teólogos comprometidos com a Palavra de Deus, existem ainda outras
objeções alicerçadas no desconhecimento bíblico. Logicamente, é muito
mais confortável escolher os mitos e as lendas do que cultivar uma fé
racional, pois esta vai exigir uma atitude trabalhosa em busca do
conhecimento, enquanto que aquelas conservam os fiéis na inércia,
fazendo-os concordar, sem qualquer exercício mental, com tudo o que
ouvem. Como disse o grande teólogo Agostinho: “Deus não espera que
submetamos nossa fé sem o uso da razão, mas os próprios limites de nossa
razão fazem da fé uma necessidade”. Eis aqui o matrimônio entre a fé e a
razão!
Outro fator a ser considerado é que o estudo teológico é marginalizado
porque ele incomoda, é inconveniente. É como se fosse uma pedra no
sapato dos manipuladores da Bíblia. Quanto menos conhecimento as pessoas
possuírem, mais facilmente serão controladas. É um comportamento
assumido pelas seitas, nas quais o líder se encarrega de pensar pelos
adeptos e implanta um método sutil de controle total.
Enquanto a teologia se opor aos modismos e ventos de doutrinas que não
coadunam com a Palavras de Deus e que levam muitos crentes à fantasias
místicas e subjetivas que beiram à heresias, ela continuará sendo
menosprezada.
A letra mata?
Retomando a questão, mas respeitando seu contexto bíblico, alertamos que
a letra a que Paulo se referiu não pode ser identificada como sendo o
estudo (conhecimento) teológico. Até porque o apóstolo era um dos
doutores da igreja (At 13.1) e jamais poderia pensar assim. Acreditamos
que são dispensáveis aqui quaisquer comentários sobre a erudição e a
aplicação de Paulo aos estudos. Isso é uma prova cabal dos benefícios da
educação teológica!
Acerca de Coríntios 2.6, Paulo estava falando sobre a superioridade da
nova aliança sobre a antiga. A morte causada pela letra realmente é
espiritual, porém, é bom salientar que se trata de uma alusão ao código
escrito da lei mosaica. A lei mata porque demanda obediência irrestrita,
mas não proporciona poder para isso. É representada pelas tábuas de
pedra (3.3). Por outro lado, o espírito vivifica porque escreve a lei de
Deus em nossos corações, trazendo-nos a vida em medida muito maior do
que realizava sob a antiga aliança. É representado pelas tábuas da carne
(3.3). Portanto, como podemos ver, o texto comentado não fundamenta, em
qualquer instância, a rejeição aos estudos teológicos.
Por que teologia?
Os teólogos leigos, ainda que inconscientemente, se beneficiam da
educação teológica. Criticam o estudo teológico, mas lançam mão dele.
Todo o legado doutrinário que usufruímos hoje foi preservado por causa
do zelo impetrado pelos teólogos que formalizaram a fé por meio de
credos, confissões e outras obras. As doutrinas cristãs sobreviveram ao
tempo porque o Espírito Santo se encarregou de inspirar e levantar
teólogos comprometidos com a fé! O estudo da teologia é um instrumento
indispensável para o saudável desenvolvimento da Igreja. Todos nós
precisamos da teologia!
Os teólogos leigos deveriam reconhecer o auxílio que recebem dos
teólogos acadêmicos e as duas classes representadas, de mãos dadas,
deveriam seguir o conselho de Pedro, um teólogo que não possuía a
erudição de Paulo, mas que conseguiu equacionar a questão ordenando o
crescimento na graça e no conhecimento, concomitantemente (2Pe 3.18).
Dessa forma, o evangelho sairá ganhando e cada membro da igreja estará
no seu posto, lapidando o aperfeiçoamento dos santos, para a edificação
do corpo de Cristo, segundo o ministério que lhe for confiado por Deus
(Ef 4.11,12).
Sobretudo, e finalmente, nosso desejo e oração é para que consigamos
aplicar a teologia à nossa vida. Se fracassarmos neste intento, a
teologia não será mais que mera futilidade.
Que o Senhor nos guie ao genuíno conhecimento de suas revelações, pelo seu amor e para a sua glória!
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